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Cresce o debate em torno dos queijos de leite cru nos EUA

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Nos últimos meses avivou novamente a polêmica sobre a fabricação e o comércio de queijos de leite cru nos Estados Unidos. O foco da discussão agora é o propósito da Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador de alimentos no país, de endurecer as normas de segurança para a produção desse tipo de queijo. A FDA deseja prolongar de 60 para 90 dias a norma federal que impõe um prazo de maturação aos queijos de leite cru, antes de serem considerados seguros para o consumo.

O prolongamento do prazo faria com que queijos tradicionais, que não suportam um tempo mais longo – como o queijo azul ou o tipo taleggio -, desaparecessem nos EUA.

Nessa disputa, de um lado estão FDA e os grandes laticínios – diretamente interessados em diminuir o mercado dos queijos artesanais –, e do outro estão os produtores e apreciadores, mobilizados contra queijos menos saborosos e nem por isso mais seguros. William Newman publicou no New York Times, em 4 de fevereiro de 2011, uma matéria sobre o assunto.

Como afirma o autor, todo debate gira em torno de uma norma considerada um completo anacronismo. A norma dos 60 dias foi criada no final dos anos 40, sem grandes estudos, em resposta aos surtos de febre tifoide, associados ao consumo de queijo, e não condiz com a realidade atual americana.

Passados 70 anos, os agentes patogênicos que têm causado doenças nos EUA mudaram. Segundo a matéria, os atuais surtos que acontecem no país são causados por bactérias que eram desconhecidas na época da criação da norma, como a E. coli e listeria. Isso sem falar na enorme variedade de queijos existente, que requerem diferentes medidas de segurança e, portanto, prazos diferenciados.

Vale registrar que a legislação brasileira também exige 60 dias de maturação para os queijos de leite cru. Desde 1952, com o decreto n° 30.691 que regulamenta a inspeção sanitária de produtos de origem animal, o país adotou o padrão norte americano de produção de alimentos. Se a norma é considerada anacrônica para a realidade deles, imagina para a nossa, uma vez que copiamos o prazo sem levar em conta as especificidades do país.

Possibilidade de novas regras inquieta produtores de queijo de leite cru

Por William Newman, no New York Times, em 4 de fevereiro de 2011

Mateo H. Kehler produzindo o queijo Winnimere, feito com leite cru.

Órgãos reguladores dos Estados Unidos consideram a possibilidade de endurecer as normas de segurança alimentar para queijos feitos com leite não-pasteurizado; entre produtores e apreciadores, cresce a preocupação de que a consequência seja queijos menos saborosos e nem por isso mais seguros.

As novas propostas de regulação, aguardadas para os próximos meses, chegam após um ano muito difícil para a aquecida indústria de queijosgourmet, marcado por recalls e dois surtos de E. coli em vários estados, infectando cerca de 50 pessoas.

O leite não-pasteurizado, popularmente conhecido como leite cru, é apreciado por muitos queijeiros por ser responsável, segundo eles, por acrescentar especial riqueza ao sabor do produto.

O foco do debate é a norma federal que impõe aos queijos de leite cru o amadurecimento de 60 dias antes de serem considerados seguros para consumo. O leite cru não é aquecido para matar bactérias nocivas, em processo chamado de pasteurização. Porém, com o amadurecimento, substâncias químicas presentes no queijo, como os ácidos e sais, têm o tempo necessário para destruir essas bactérias.

Alguns cientistas, entretanto, acreditam que a norma dos 60 dias de envelhecimento seja demasiado simplista. Em parte, porque a enorme variedade de queijos existente pode requerer diferentes medidas de segurança.

A Agência para Alimentos e Drogas dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) começou em 2009 uma revisão desta norma. Funcionários da agência disseram que a revisão está pronta, aguardando apenas a aprovação para que seja divulgada.

Enquanto a FDA não mostra suas cartas, no setor há quem tema que todos os queijos de leite cru venham a ser banidos ou que alguns tipos de queijo considerados de maior risco não tenham mais permissão de ser feitos com leite cru. Outros acreditam que o período de envelhecimento pode ser estendido, possivelmente para 90 dias, o que dificultaria ou até mesmo impossibilitaria o uso de leite cru para alguns dos queijos mais populares, como o queijo azul ou o tipo taleggio, que talvez não se prestem a um amadurecimento mais longo.

Bill Desrochers e Riley Tetreault lavam peças do queijo Von Trapp Homestead Oma na fazenda Jasper Hill

“Um setor bastante importante e próspero da agricultura americana estaria ameaçado de ser comprometido ou de simplesmente desaparecer se o amadurecimento mínimo de 60 dias fosse elevado ou se queijos de leite cru fossem declarados ilegais,” diz Liz Thorpe, vice-presidente da Murray’s Cheese, varejista de Manhattan cuja metade dos queijos revendidos é de leite cru.

Mateo H. Kehler, coproprietário da Jasper Hill Farm em Greensboro, no estado de Vermont, produz queijos tanto de leite cru quanto de leite pasteurizado, mas considera o leite cru essencial para alguns de seus queijos mais populares. “Nosso receio é perder a oportunidade de produzir alguns de nossos produtos, mesmo os fazendo da maneira mais responsável possível”, diz Kehler.

A FDA já esteve em situação similar. A agência começou uma revisão dos queijos de leite cru mais de uma década atrás, mas o trabalho foi engavetado antes que chegasse a qualquer conclusão. Ainda assim, causou uma onda de preocupação sobre os queijos de leite cru importados e muitos apreciadores temiam que fossem proibidos.

Hoje, com o florescimento da indústria de queijos artesanais, o foco está nos produtores de queijo caseiro.

Os queijeiros dizem que a pasteurização do leite destrói enzimas e as boas bactérias que dão sabor ao queijo. Queijos de leite cru, dizem, apresentam sabores que derivam dos animais e dos pastos que produziram o leite, similarmente ao que se diz do vinho, que retira seus aromas de vinhedos específicos.

Os queijos feitos com leite pasteurizado também apresentam riscos à saúde se forem contaminados depois da fase de pasteurização – durante a produção ou amadurecimento, por exemplo. No ano passado, pelo menos nove produtores americanos de queijo fizeram grandes recalls. Cinco usavam leite pasteurizado e quatro, leite cru.

Dois dos recalls de queijo de leite cru aconteceram depois que o queijo foi associado a surtos de formas altamente tóxicas da bactéria E. coli.

Em um dos surtos, 38 pessoas em cinco estados americanos adoeceram por causa do queijo gouda de leite cru da Bravo Farms of Traver, na Califórnia, vendidos pela rede Costco. No segundo caso, oito pessoas em quatro estados adoeceram por causa de uma bactéria encontrada em queijos cremosos produzidos por Sally Jackson, uma pioneira na produção em Oroville, Washington.

Os técnicos ainda não afirmaram se nesses casos a contaminação esteve relacionada ao leite não-pasteurizado usado na produção do queijo. Entretanto, nenhum dos casos parece claramente pôr em questão a efetividade da norma dos 60 dias.

No caso da senhora Jackson, técnicos documentaram condições insalubres que podem ter influenciado nos riscos apresentados pelo queijo. No caso da Bravo, acusaram a companhia de embalar o produto para venda antes dos obrigatórios 60 dias de envelhecimento.

O curto tempo entre os dois surtos não podia ter sido pior para os produtores de queijo.

“As apostas estão altas”, disse Neville McNaughton, presidente da CheezSorce, consultoria em produção de queijos, e afirmou que o setor precisava apresentar melhorias significativas na segurança alimentar para além do envelhecimento dos produtos. Isso inclui a realização de testes do leite cru e dos produtos finais, além de assegurar uma melhor higiene. “A razão pela qual o setor pode vir a perder o direito de produzir queijo de leite cru é não ter conseguido provar que é seguro de um modo consistente.”

Todo este rebuliço se dá em torno de uma norma que alguns especialistas consideram um completo anacronismo. A norma da maturação foi criada no final dos anos 40 em resposta aos surtos de febre tifóide associados ao queijo.

Cientistas sabiam que queijos duros, como o cheddar, secavam ao envelhecer, o que os tornava menos receptivos a bactérias.

Por essa razão, os órgãos reguladores decidiram que, se o queijo não fosse feito com leite pasteurizado, deveria ser envelhecido. Mas a escolha do limite mínimo de 60 dias foi bastante arbitrária, de acordo com Dennis J. D’Amico, pesquisador sênior do Instituto Vermont de Queijo Artesanal da Universidade de Vermont.

Desde então, muita coisa mudou. Os agentes patogênicos primários que agora causam doenças associadas ao queijo, como formas tóxicas da E. coli e listeria, ou eram desconhecidas ou não causavam preocupação nos anos 40. E os queijeiros artesanais hoje produzem queijos cuja composição química difere enormemente daquela do cheddar duro básico de seis décadas atrás.

“A regra dos 60 dias não foi baseada em estudos realmente científicos,” afirmou D’Amico. “Os agentes patogênicos mudaram, assim como os queijos. Mas a regra não.”

D’Amico e Catherine W. Donnelly, codiretora do Instituto Vermont, publicaram um artigo no final do ano passado mostrando que a E. coli tóxica pode sobreviver no queijo por mais de um ano.

Outro estudo, que publicaram em 2008, mostrou que os níveis de listeria aumentam em queijos cremosos, como o brie, durante a sua maturação, tornando-os potencialmente mais perigosos. Estes queijos têm composição mais úmida e se tornam menos ácidos ao envelhecer, condições que podem favorecer o desenvolvimento de bactérias.

D’Amico afirma que o envelhecimento pode ser eficaz na salvaguarda de queijos duros, desde que associado a um controle cuidadoso da qualidade do leite, melhores condições sanitárias e a realização de testes nas fábricas de queijo.

David Gremmels, presidente da American Cheese Society, disse que o setor precisa provar aos órgãos reguladores que fará mais para melhorar a segurança.

“O queijo de leite cru chegou para ficar”, afirmou Gremmels, que também é coproprietário do Rogue Creamery em Central Point, Oregon. “É vital que todos aceitemos que sejam feitos testes do leite, do ambiente e do produto, para assegurar que os queijos em distribuição sejam seguros”.

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